Ao longo da história, as sociedades inventaram e desenvolveram, principalmente em escala local, modos de gestão coletiva dos recursos naturais visando a assegurar sua sobrevivência e sua prosperidade: os “comuns”. Tratava-se, em certos casos, de administrar a relativa raridade desses recursos e de prevenir os conflitos que essa raridade poderia gerar; muitas vezes, a escolha de um tipo de gestão correspondia à simples constatação de que este permitiria que uma maior quantidade de recursos disponíveis fosse mais bem aproveitada, preservando-os, ao mesmo tempo, para as gerações futuras e garantindo, desse modo, as condições da perpetuação e da renovação de suas sociedades. Essas formas de gestão sobreviveram, evoluindo até hoje, inclusive nos países do Norte. No entanto, os modelos dominantes de desenvolvimento (desde o capitalismo das grandes empresas até ao capitalismo de Estado) tenderam a destruir deliberadamente ou, ao menos, a marginalizar essas formas de gestão, apresentadas como arcaicas. Na realidade, esses “comuns” estão muito longe de serem ineficientes em termos de gestão e preservação dos recursos naturais, a não ser que sejam considerados segundo os critérios de riqueza e desenvolvimento utilizados hoje para medir os limites ambientais e sociais.
Os trabalhos aqui reunidos têm por objetivo demonstrar, através da apresentação de experiências concretas e de análises oriundas de diversas redes e organizações da sociedade civil militante, que os comuns são um modelo de futuro para enfrentar as situações de crise social e ambiental observadas em todo o planeta e os desafios globais, como a mudança climática. Um modelo que oferece muito mais garantias em termos de proteção da integridade do mundo natural, de sustentabilidade, de democracia e de justiça social que os modelos atualmente privilegiados pelos governos, pelas grandes empresas e pelas instituições internacionais.
Nestas últimas décadas, o tema dos “comuns” também assumiu uma importância primordial no campo do saber, da cultura, da informática, da comunicação e até mesmo da saúde, diante do desenvolvimento e do fortalecimento da propriedade intelectual em prol de algumas grandes empresas multinacionais. Seja lá o que possa parecer, existem passarelas entre esses dois campos dos “comuns”, materiais e naturais de um lado, imateriais e culturais do outro. Em primeiro lugar e de modo muito simples, existem inspiração e fecundação recíprocas entre diferentes formas e diferentes modelos de criação e governança dos “comuns”. Em seguida, o campo da propriedade intelectual passa a se estender a uma parte significativa desses próprios recursos naturais através da artificialização e da privatização das sementes, da biopirataria e das patentes sobre os organismos vivos. É impossível separar a parte material da biodiversidade (as plantas e os animais e o seu meio ambiente) de sua parte imaterial (os conhecimentos tradicionais das comunidades que os mantiveram). Inversamente, a propriedade intelectual também se torna um fator de privatização de “bens comuns”, como a água ou o clima, a partir do momento em que sua gestão se torna cada vez mais dependente de inovações tecnológicas (tecnologias “limpas”, tratamento e dessalgamento da água etc.). Enfim, os “comuns” naturais não devem ser necessariamente pensados em termos de divisão (partilha de um bolo), mas – assim como no campo do imaterial e do conhecimento – em termos de multiplicação: as comunidades cuidam dos recursos naturais, asseguram sua renovação e, ao compartilhá-los, elas multiplicam seus usos e seus usuários.
Confira repórtagem na íntegra:
http://rio20.net/pt-br/documentos/os-bens-comuns-modelo-de-gestao-dos-recursos-naturais
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